quinta-feira, 19 de maio de 2011

Um passo para os direitos humanos.

Nesta segunda-feira (16 de maio) foi derrubado o presídio em Novo Horizonte, na Serra-ES. Alvo de críticas desde a sua fundação, passando pela sua apresentação como a inovação em segurança quando as celas metálicas foram introduzidas no sistema penitenciário capixaba, e denunciado como recanto de atrocidades para detentos e funcionários, o presídio foi, então, demolido. Como esclarece a Carta de Despedida elaborada por Padre Xavier e Marta Falqueto, são tantas as motivações fora do foco que realmente me pergunto como podemos avaliar esse passo para os Direitos Humanos. Nem para frente, nem para trás, para o lado talvez...pois no lugar do Presídio será construída a "Praça da Liberdade".
Praça e liberdade... liberdade para quem? Pois quando pensamos em praça (não só em Novo Horizonte) pensamos em sessão do direito de ir e vir, e ao invés de "Liberdade" o que encontramos nas diversas praças construídas para "beneficiar" as populações é a libertinagem.
Ok, melhor uma praça do que um Presídio, até porque destruir com certeza é mais fácil do que construir. Que a população - e os gestores públicos - ocupem esse novo espaço da maneira mais benéfica possível à comunidade, trazendo segurança, saúde, esporte e lazer, que é o que queremos de fato.  

Carta de despedida ao presídio de lata de Novo Horizonte – Serra - ES
Não foi pelo convencimento, foi pela pressão popular.
Não foi pela fé na dignidade humana, foi pelo medo do constrangimento.
Não foi pelo respeito aos direitos humanos, foi por mera preocupação com o desgaste público.
Foi só por isso que desativaram tuas celas.
Nelas foi escrita uma das piores páginas da história da desumanidade.
Como num toque de mágica perversa entraste no livro dos crimes de lesa humanidade.
As atrocidades que aconteceram entre tuas paredes de alvenaria e de lata não têm nada a invejar àquelas cometidas durante a época da escravidão e no tempo da fúria desraivada do nazifascismo.
Foste, ao mesmo tempo, aconchego de ratos e seres humanos.
Desviaste dezenas de policias civis de suas funções e violaste seus direitos submetendo-os a condições insalubres de trabalho.
Foste cruel com as mães e as esposas dos presos quando as submeteste a tratamento vexatório e constrangedor.
Com a lâmina de tuas cercas cortaste o direito das crianças abraçarem seus pais.
Violaste o sossego dos moradores do teu entorno, obrigados a conviver com o fedor do teu esgoto, com o estampido dos tiros, os gritos e o barulho ensurdecedor dos golpes desferidos nas tuas paredes de lata.
Foste uma cortina nojenta que cobriu de vergonha a história de nosso estado.
Mesmo do alto de tua arrogância não resististe à persistência e à ousadia dos militantes dos direitos humanos. Tremeste aos golpes de suas denúncias.
Ficaste tristemente famoso no mundo inteiro como uma imitação postiça de um campo de concentração nazista.
Viraste mais uma “atração turística” no itinerário da barbárie.
Deixastes feridas que sangrarão por muito tempo.
Hoje se fecha definitivamente a tua história.
Até nunca mais. Com tuas ruínas, caiam abaixo as intolerâncias, as reiteradas violações aos direitos humanos, as posturas arrogantes, os rastos de uma política de segurança pública pautada no aprisionamento e de uma política penitenciária repressora que alimenta o espírito de vingança.
Que esta terra sobre a qual a dignidade humana foi pisoteada seja devoluta ao povo da Serra.
Não das tuas ruínas, mas do suor daqueles que ainda acreditam na vida e na dignidade humana surja neste lugar a Praça da Liberdade.
Sai definitivamente de cena e deixa que um Novo Horizonte carregado de esperança brilhe na vida deste povo sofrido que aqui decidiu erguer sua casa e viver honestamente.
 
Dedicado a todos aqueles que participaram com afinco nesta luta.
 
Padre Saverio Paolillo (Pe. Xavier)
Pastoral do Menor da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo
Marta Falqueto
CDDH - Serra

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